quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Parte XV - 1953 - UM MARCO NA MINHA HISTÓRIA


Ao início da temporada de 1953, Zilco Ribeiro reuniu toda a Companhia para as primeiras abordagens sobre a nova revista,  "CARROSSEL DE 53". Deveria estrear e aproveitou o ensejo para saudar-me.
Nesse ano eu atingira a maior idade e segundo suas palavras, era chegada à hora de tomar mais juízo e parar com as  molecagens praticadas durante a temporada do ano anterior. 

Realmente ele tinha razões suficientes para aquela advertência, não era raro o dia em que eu não inventava algo que surpreendia o elenco com minhas peripécias.

As Galharufas

Entre algumas eu me lembro, que vez por outra eu obtinha da Confeitaria Milca, situada ao lado do teatro, uma lata vazia de óleo, a qual enchia com areia da praia. 
Preparava então um pacote embalado para presente e designava um dos estreantes, ansiosos por conhecer celebridades, pra que levasse o referido presente à suposta estrela aniversariante, no caso a Mara Rúbia,  que adorava esse tipo de sacanagem.

O pobre coitado, não media esforços para cumprir com aquela tarefa. Mara Rúbia agradeceu e solicitou ao portador daquele belo presente, cujo peso era de aproximadamente 20 quilos, para que se dirigisse a Rua dos Artistas em Jacarepaguá e procurasse o secretário. Sem perceber,  o nosso emissário retornou ao final do dia conduzindo sobre os ombros o pesado pacote, suado e cansado, alegando não ter encontrado o destinatário indicado pela Mara Rúbia.
Naquele dia  sua ausência foi notada pela diretora do espetáculo Renata Fronzi, a qual topava esse tipo de brincadeira, conhecida como as “Galharufas”.
Trata-se na realidade, do tradicional trote aplicado aos novatos, até hoje adotado no meio teatral. Somente o Zilco não gostou da brincadeira e logo soube tratar-se de mais uma do Casimiro (Manekolopp).
O portador era um dos maquinistas do espetáculo, o qual a partir de então se tornou mais conhecido pelo apelido de “Geraldo Galharufas”.

 A Churrascada  

Lembro-me que certa vez, num dos intervalos de uma matinê de sábado promovi uma churrascada no subsolo do teatro. Aproveitei como combustível sobras de madeira utilizada na construção dos praticáveis (utensílios de madeira utilizados em cena).
Passados alguns minutos o teatro exalava uma fumaça asfixiante, a qual se propagou por todo o Edifício Safira e o Corpo de Bombeiros fora acionado por um dos moradores.
Zilco Ribeiro fora avisado e a bronca foi geral, tivemos que apagar o fogo da improvisada churrasqueira e o churrasco, cuja carne ficou mal passada, todos apreciaram e nada sobrou.

Pugilato entre mulheres
No Elenco o clima era de total harmonia, somente uma vez presenciei uma cena de violência entre as Girls. Não me lembro o motivo, soube apenas que fui o pivô dessa encrenca.
Tilda Jordan havia feito uma fofoca sobre mim ao Zilco Ribeiro e Gene de Marco ouviu a conversa, ela era uma paulista do tipo selvagem, a mais bela entre todas e partiu pra cima de Tilda. Parecia uma fera e foi preciso que vários se juntassem para apartar aquela cena de pugilato na hora do espetáculo.

Maria da Grória 

O teatro de revista atraia o grande público da época, não somente pela exuberância dos corpos seminus das mulheres, mas também pela apresentação de inúmeros talentos, como o Mesquitinha, Oscarito, Grande Otelo, Colé, Silva Filho, Pedro Dias, Ankito, Manoel Vieira, Walter e sua irmã Ema D’Ávila, Dercy Gonçalves, Violeta Ferraz e outros.

Também através dos espetáculos de revista eram lançadas as principais músicas de sucesso, interpretadas pelas principais vozes, como as de Francisco Alves, Vicente Celestino, Nelson Gonçalves, Dalva de Oliveira, Marlene, Emilinha, Colé e Celeste Aida e muitos outros que ainda pretendo citar.

Ao contrário da opereta, que segue um roteiro com princípio, meio e fim;  o teatro de revista ou teatro de variedades, como é conhecido em Portugal, é uma colcha de retalhos, cujo roteiro reúne os mais variados tipos de representação, onde os números se alternam entre o prólogo apresentado em grande gala, a Vedete e demais dançarinos.

A seguir vinham os cômicos ou cantores, geralmente à frente do pano de boca, um artifício empregado para que maquinistas e contra-regra montassem o cenário do quadro seguinte.


Nessa alternância corria o espetáculo, o qual se encerrava com  apoteótico final, momento em que todo o elenco se apresentava para receber os aplausos e as inúmeras corbelhas de flores enviadas por admiradores apaixonados.


O sucesso do espetáculo dependia da reunião de inúmeros fatores, inclusive da repercussão provocada pela opinião dos críticos, manifestada através dos jornais matutinos e vespertinos da época.

O título atribuído à revista era uma importante chamada, quase sempre escolhido as vésperas da estréia. Os empresários ficavam atentos aos últimos jargões  e notícias do dia e daí tiravam proveito como tema.  

 "Eu Quero Sassaricar", nome escolhido por Walter Pinto, originário da marcha a de, "Sassaricando", maior sucesso no carnaval de 1952.

“Sassaricar”, um neologismo de sentido malicioso adotado ainda hoje como verbo.
Zilco Ribeiro seguia a mesma linha, em seus espetáculos de revista adotava nomes, cuja chamada tinha haver com os novos neologismos. 
A escolha “Olha o Pixe” com X tratava-se de um novo termo atribuído as criaturas costumeiras em falar mal da vida alheia ou a atitude praticada por alguns críticos como Ibrahim Sued, o qual através de sua coluna social costumava “pixar” figuras da época.
Era comum alterar o roteiro da peça ao longo da temporada, uma simples gafe cometida inusitadamente em cena, desde que fosse motivo de risos, era imediatamente encaixada na peça, inclusive novos fatos do cotidiano que se tornaram notícia eram imediatamente aproveitados.

Um dos acontecimentos mais notórios ocorridos em 1952 foi o da Maria da Grória.
Na famosa Praça do Lido, situada na Av. N. S. de Copacabana, esquina com a Rua Siqueira Campos era o ponto de encontro, onde a maioria dos jovens integrantes do Corpo de Fuzileiros Navais se concentravam aos sábados.

Exibiam suas fardas coloridas e bem recortadas, que atraíam em grande número, as empregadas domésticas de toda a zona sul do Rio de Janeiro, todas esperançosas de conquistas, se possível duradouras ou até mesmo pra casar.

Eis que num desses encontros, a empregada doméstica Maria da Glória, mulata atraente, porém virgem e evangélica sentiu-se atraída pelo naval cujo nome era Daniel. Com esse nome, 
Daniel dizia ser da mesma igreja e daí não foi difícil convidar Maria da Glória para ir ao cinema Metro. Por coincidência o filme em cartaz era “Os Dez Mandamentos” com Yul Brynner. Maria da Glória se interessou pelo tema e pouca atenção dava as carícias que o excitado Daniel tentava aplicar entre beijinhos na orelha e no cangote.

Daniel não se aguentava mais de tesão, abriu a braguilha e  colocou a pica pra fora. Lentamente ele arrastou a delicada mão de Maria da Glória e fez com que ela segurasse a dita cuja.

O naval não sabia o que fazer, pois a donzela Maria da Glória, aos prantos gritou:

EU, MARIA DA GRÓRIA? SEGURAR NO TEU PAU, NUNCA..
.
As luzes se acenderam e todos se voltaram para o casal, Maria da Grória apavorada saiu às pressas e o Daniel ainda com a pica de fora, porém arriada, sem tempo de recolhê-la e puxar o zíper das calças.

O fato virou piada e ecoou por toda Copacabana, foi quando Renata Fronzi, que dirigia o espetáculo sugeriu as dançarinas que ao final de um dos quadros, todas clamassem a uma só vós: 
EU MARIA DA GRÓRIA NUNCA... 

Embora a censura não permitisse completar a frase, todo público percebia e gargalhava diante daquele “caco” que Renata Fronzi, espertamente introduziu.

Teste da farinha

A tensão gerada durante as apresentações no palco era recompensada por outro descontraído espetáculo, o qual simultaneamente ocorria nos bastidores do teatro.
Divertíamos muito, quando os atores Maurício Loyola, Hélio Colonna e Ruy Cavalcanti, nos intervalos de cada espetáculo promoviam em seus camarins, o famoso “teste da farinha”.
Como sempre era eu que providenciava a farinha. 

A Confeitaria Milca, que ficava ao lado do teatro abastecia-nos com todo tipo de alimentação, sucos etc., inclusive a farinha.
Uma vez em poder da farinha, o trio de sacanas espalhava uniformemente a farinha sobre folhas de jornal e todos os rapazes eram convocados para o referido teste.

De Sunga arriada acomodavam o rabo sobre a farinha, a fim de conferir o diâmetro da olhota ou se ainda virgens.

Maria Rita

Nesse ano conheci Maria Rita, moradora no edifício Safira, onde também morava Renata Fronzi e Cesar Ladeira.





Maria Rita, por quem me enamorei, era uma mineira recém chegada de Minas Gerais, contratada como acompanhante de um casal de amigos conterrâneos seus.
O excesso de convívio diário com inúmeras e belas atrizes, associado a minha timidez, me impediram que estabelecesse uma relação mais estreita com elas.

Nesse período fui convocado pela direção do PCB, para atuar  junto ao Comitê Regional da Zona Sul. 


Constituíamos um grupo formado por três secretários:

A médica Dra. Eline Mochel, o ex-marinheiro caçado  e futuro jornalista de “O Globo” Ruy Rocha e eu, como secretário de Agitação, responsável inclusive pela distribuição dos jornais e revistas editados pelo Partido.

A disciplina imposta pelo teatro e o convívio diário com toda a intelectualidade constituída por militantes e simpatizantes do Partido Comunista, foram os mais importantes referencias que obtive em toda a minha vida adulta.

Meus princípios éticos dessa época, não permitiram que atendesse ao pedido de Maria Rita, quando ela me anunciou que estava grávida e iria abortar.

Sugeri que procurasse um local para morarmos e aguardar o nascimento dessa criança.
José Nathan era meu amigo e parceiro nas rodadas de Chope, foi quem nos ajudou na procura da morada. Eu e Maria Rita, provisoriamente fomos morar num quarto situado na Rua Dias da Rocha, em Copacabana, um espaço que alugamos de  um casal, onde somente dispúnhamos do banheiro e uma cama para dormir.

 Fazíamos as refeições nos restaurantes e botecos da área e na falta de grana, o que não era raro, jantávamos no quarto uma variada quantidade de biscoitos sortidos da marca Aymoré.
Foram momentos difíceis que atravessamos, onde dedicava e dividia o meu tempo, entre o teatro durante metade da noite e de dia envolvido com as inúmeras e arriscadas tarefas do Partido.

No dia 30 de agosto de 1954, atordoado ainda com os acontecimentos que abalaram o nosso país dia 24(*), fui surpreendido por um telefonema da Maternidade Escola da UFRJ, situada no Bairro de Laranjeiras, que minha mulher acabara de ter uma menina.
Maria Rita ao pressentir os primeiros sintomas do parto, havia tomado a iniciativa de tomar um táxi e sozinha dirigiu-se à maternidade.


(*)No dia 24 agosto de 1954, o Presidente Getúlio Vargas cometera o suicídio. 

Na impossibilidade de me dirigir de imediato à maternidade, incumbi meu auxiliar, o José Nathan, para que a visitasse e soubesse da hora que teria alta.
Tinha eu então, 19 anos, um jovem que precocemente teve que ir trabalhar como bancário aos 13 anos e nunca mais parou.

Em 1956 nasceu nossa segunda filha Maria Leonor e, assim completamos uma prole de cinco rebentos, os quais somaram-se a outras duas filhas, frutos de dois novos relacionamentos.




São sete filhos, os quais representam para mim, a maior dádiva, resultado de uma experiência de vida, da qual não me arrependo.
   












2 comentários:

Angela maria disse...

Que bela Trajetória amigo Maneko. Parabéns e que linda prole.
Gosto muito do teu texto.
Um abraço
Angela Rodrigues

Angela maria disse...

Olá amigo Maneko.
Parabéns pela trajetória e pela bela prole.
Gosto muito dos teus textos.
Um abraço
Angela Rodrigues