Ao início da temporada de 1953, Zilco Ribeiro reuniu toda
a Companhia para as primeiras abordagens sobre a nova revista, "CARROSSEL DE 53". Deveria estrear e
aproveitou o ensejo para saudar-me.
Nesse ano eu atingira a maior idade e segundo suas
palavras, era chegada à hora de tomar mais juízo e parar com as molecagens
praticadas durante a temporada do ano anterior.
Realmente ele tinha razões
suficientes para aquela advertência, não era raro o dia em que eu não inventava
algo que surpreendia o elenco com minhas peripécias.
As Galharufas
Entre algumas eu me lembro, que vez por outra eu obtinha
da Confeitaria Milca, situada ao lado do teatro, uma lata vazia de óleo, a qual
enchia com areia da praia.
Preparava então um pacote embalado para presente e
designava um dos estreantes, ansiosos por conhecer celebridades, pra que
levasse o referido presente à suposta estrela aniversariante, no caso a Mara
Rúbia, que adorava esse tipo de
sacanagem.
O pobre coitado, não media esforços para cumprir com
aquela tarefa. Mara Rúbia agradeceu e solicitou ao portador daquele belo
presente, cujo peso era de aproximadamente 20 quilos, para que se dirigisse a
Rua dos Artistas em Jacarepaguá e procurasse o secretário. Sem perceber, o nosso emissário retornou ao final do dia
conduzindo sobre os ombros o pesado pacote, suado e cansado, alegando não ter
encontrado o destinatário indicado pela Mara Rúbia.
Naquele dia sua
ausência foi notada pela diretora do espetáculo Renata Fronzi, a qual topava
esse tipo de brincadeira, conhecida como as “Galharufas”.
Trata-se na
realidade, do tradicional trote aplicado aos novatos, até hoje adotado no meio
teatral. Somente o Zilco não gostou da brincadeira e logo soube tratar-se de
mais uma do Casimiro (Manekolopp).
O portador era um dos maquinistas do espetáculo, o qual a
partir de então se tornou mais conhecido pelo apelido de “Geraldo Galharufas”.
A Churrascada
Lembro-me que certa vez, num dos intervalos de uma matinê
de sábado promovi uma churrascada no subsolo do teatro. Aproveitei como
combustível sobras de madeira utilizada na construção dos praticáveis
(utensílios de madeira utilizados em cena).
Passados alguns minutos o teatro exalava uma fumaça
asfixiante, a qual se propagou por todo o Edifício Safira e o Corpo de
Bombeiros fora acionado por um dos moradores.
Zilco Ribeiro fora avisado e a bronca foi geral, tivemos
que apagar o fogo da improvisada churrasqueira e o churrasco, cuja carne ficou
mal passada, todos apreciaram e nada sobrou.
Pugilato entre mulheres
No Elenco o clima era de total harmonia, somente uma vez
presenciei uma cena de violência entre as Girls. Não me lembro o motivo, soube
apenas que fui o pivô dessa encrenca.
Tilda Jordan havia feito uma fofoca sobre
mim ao Zilco Ribeiro e Gene de Marco ouviu a conversa, ela era uma paulista do
tipo selvagem, a mais bela entre todas e partiu pra cima de Tilda. Parecia uma
fera e foi preciso que vários se juntassem para apartar aquela cena de pugilato
na hora do espetáculo.
Maria da Grória
O teatro de revista atraia o grande público da época, não
somente pela exuberância dos corpos seminus das mulheres, mas também pela
apresentação de inúmeros talentos, como o Mesquitinha, Oscarito, Grande Otelo,
Colé, Silva Filho, Pedro Dias, Ankito, Manoel Vieira, Walter e sua irmã Ema D’Ávila,
Dercy Gonçalves, Violeta Ferraz e outros.
Também através dos espetáculos de revista eram lançadas
as principais músicas de sucesso, interpretadas pelas principais vozes, como as
de Francisco Alves, Vicente Celestino, Nelson Gonçalves, Dalva de Oliveira, Marlene,
Emilinha, Colé e Celeste Aida e muitos outros que ainda pretendo citar.
Ao contrário da opereta, que segue um roteiro com
princípio, meio e fim; o teatro de
revista ou teatro de variedades, como é conhecido em Portugal, é uma colcha de
retalhos, cujo roteiro reúne os mais variados tipos de representação, onde os
números se alternam entre o prólogo apresentado em grande gala, a Vedete e
demais dançarinos.
A seguir vinham os cômicos ou cantores, geralmente à
frente do pano de boca, um artifício empregado para que maquinistas e contra-regra
montassem o cenário do quadro seguinte.
Nessa alternância corria o espetáculo, o qual se encerrava
com apoteótico final, momento em que todo
o elenco se apresentava para receber os aplausos e as inúmeras corbelhas de
flores enviadas por admiradores apaixonados.
O sucesso do espetáculo dependia da reunião de inúmeros fatores,
inclusive da repercussão provocada pela opinião dos críticos, manifestada através
dos jornais matutinos e vespertinos da época.
O título atribuído à revista era uma importante chamada,
quase sempre escolhido as vésperas da estréia. Os empresários ficavam atentos
aos últimos jargões e notícias do dia e
daí tiravam proveito como tema.
"Eu Quero
Sassaricar", nome escolhido por Walter Pinto, originário da marcha a de, "Sassaricando",
maior sucesso no carnaval de 1952.
“Sassaricar”, um neologismo de
sentido malicioso adotado ainda hoje como verbo.
Zilco Ribeiro seguia a mesma linha, em seus espetáculos
de revista adotava nomes, cuja chamada tinha haver com os novos neologismos.
A
escolha “Olha o Pixe” com X tratava-se de um novo termo atribuído as criaturas
costumeiras em falar mal da vida alheia ou a atitude praticada por alguns críticos
como Ibrahim Sued, o qual através de sua coluna social costumava “pixar” figuras
da época.
Era comum alterar o roteiro da peça ao longo da temporada,
uma simples gafe cometida inusitadamente em cena, desde que fosse motivo de
risos, era imediatamente encaixada na peça, inclusive novos fatos do cotidiano
que se tornaram notícia eram imediatamente aproveitados.
Um dos acontecimentos mais notórios ocorridos em 1952 foi
o da Maria da Grória.
Na famosa Praça do Lido, situada na Av. N. S. de
Copacabana, esquina com a Rua Siqueira Campos era o ponto de encontro, onde a
maioria dos jovens integrantes do Corpo de Fuzileiros Navais se concentravam
aos sábados.
Exibiam suas fardas coloridas e bem recortadas, que atraíam
em grande número, as empregadas domésticas de toda a zona sul do Rio de
Janeiro, todas esperançosas de conquistas, se possível duradouras ou até mesmo
pra casar.
Eis que num desses encontros, a empregada doméstica Maria
da Glória, mulata atraente, porém virgem e evangélica sentiu-se atraída pelo
naval cujo nome era Daniel. Com esse nome,
Daniel dizia ser da mesma igreja e
daí não foi difícil convidar Maria da Glória para ir ao cinema Metro. Por coincidência
o filme em cartaz era “Os Dez Mandamentos” com Yul Brynner. Maria da Glória se
interessou pelo tema e pouca atenção dava as carícias que o excitado Daniel
tentava aplicar entre beijinhos na orelha e no cangote.
Daniel não se aguentava mais de tesão, abriu a braguilha
e colocou a pica pra fora. Lentamente
ele arrastou a delicada mão de Maria da Glória e fez com que ela segurasse a
dita cuja.
O naval não sabia o que fazer, pois a donzela Maria da
Glória, aos prantos gritou:
EU, MARIA DA GRÓRIA? SEGURAR NO TEU PAU, NUNCA..
.
As luzes se acenderam e todos se voltaram para o casal,
Maria da Grória apavorada saiu às pressas e o Daniel ainda com a pica de fora,
porém arriada, sem tempo de recolhê-la e puxar o zíper das calças.
O fato virou piada e ecoou por toda Copacabana, foi
quando Renata Fronzi, que dirigia o espetáculo sugeriu as dançarinas que ao
final de um dos quadros, todas clamassem a uma só vós:
EU MARIA DA GRÓRIA
NUNCA...
Embora a censura não permitisse completar a frase, todo público percebia
e gargalhava diante daquele “caco” que Renata Fronzi, espertamente introduziu.
Teste da farinha
A tensão gerada durante as apresentações no palco era
recompensada por outro descontraído espetáculo, o qual simultaneamente ocorria
nos bastidores do teatro.
Divertíamos muito, quando os atores Maurício Loyola,
Hélio Colonna e Ruy Cavalcanti, nos intervalos de cada espetáculo promoviam em
seus camarins, o famoso “teste da farinha”.
Como sempre era eu que providenciava a farinha.
A
Confeitaria Milca, que ficava ao lado do teatro abastecia-nos com todo tipo de
alimentação, sucos etc., inclusive a farinha.
Uma vez em poder da farinha, o trio de sacanas espalhava
uniformemente a farinha sobre folhas de jornal e todos os rapazes eram
convocados para o referido teste.
De Sunga arriada acomodavam
o rabo sobre a farinha, a fim de conferir o diâmetro da olhota ou se
ainda virgens.
Maria Rita
Nesse ano conheci Maria Rita, moradora no edifício
Safira, onde também morava Renata Fronzi e Cesar Ladeira.
Maria Rita, por quem me enamorei, era uma mineira recém
chegada de Minas Gerais, contratada como acompanhante de um casal de amigos conterrâneos
seus.
O excesso de convívio diário com inúmeras e belas
atrizes, associado a minha timidez, me impediram que estabelecesse uma relação
mais estreita com elas.
Nesse período fui convocado pela direção do PCB, para atuar junto ao Comitê Regional da Zona Sul.
Constituíamos um grupo formado por três secretários:
Constituíamos um grupo formado por três secretários:
A médica Dra. Eline Mochel, o ex-marinheiro caçado e futuro jornalista de “O Globo” Ruy Rocha e
eu, como secretário de Agitação, responsável inclusive pela distribuição dos
jornais e revistas editados pelo Partido.
A disciplina imposta pelo teatro e o convívio diário com
toda a intelectualidade constituída por militantes e simpatizantes do Partido
Comunista, foram os mais importantes referencias que obtive em toda a minha
vida adulta.
Meus princípios éticos dessa época, não permitiram que
atendesse ao pedido de Maria Rita, quando ela me anunciou que estava grávida e
iria abortar.
Sugeri que procurasse um local para morarmos e aguardar o
nascimento dessa criança.
José Nathan era meu amigo e parceiro nas rodadas de
Chope, foi quem nos ajudou na procura da morada. Eu e Maria Rita, provisoriamente
fomos morar num quarto situado na Rua Dias da Rocha, em Copacabana, um espaço que
alugamos de um casal, onde somente
dispúnhamos do banheiro e uma cama para dormir.
Fazíamos as
refeições nos restaurantes e botecos da área e na falta de grana, o que não era
raro, jantávamos no quarto uma variada quantidade de biscoitos sortidos da
marca Aymoré.
Foram momentos difíceis que atravessamos, onde dedicava e
dividia o meu tempo, entre o teatro durante metade da noite e de dia envolvido
com as inúmeras e arriscadas tarefas do Partido.
No dia 30 de agosto de 1954, atordoado ainda com os acontecimentos
que abalaram o nosso país dia 24(*), fui surpreendido por um telefonema da
Maternidade Escola da UFRJ, situada no Bairro de Laranjeiras, que minha mulher
acabara de ter uma menina.
Maria Rita ao pressentir os primeiros sintomas do parto,
havia tomado a iniciativa de tomar um táxi e sozinha dirigiu-se à maternidade.
(*)No dia 24 agosto de 1954, o Presidente Getúlio Vargas cometera o suicídio.
(*)No dia 24 agosto de 1954, o Presidente Getúlio Vargas cometera o suicídio.
Na impossibilidade de me dirigir de imediato à
maternidade, incumbi meu auxiliar, o José Nathan, para que a visitasse e soubesse
da hora que teria alta.
Tinha eu então, 19 anos, um jovem que precocemente teve
que ir trabalhar como bancário aos 13 anos e nunca mais parou.
Em 1956 nasceu nossa segunda filha Maria Leonor e, assim completamos
uma prole de cinco rebentos, os quais somaram-se a outras duas filhas, frutos
de dois novos relacionamentos.
São sete filhos, os quais representam para mim, a maior dádiva, resultado de uma experiência de vida, da qual não me arrependo.
2 comentários:
Que bela Trajetória amigo Maneko. Parabéns e que linda prole.
Gosto muito do teu texto.
Um abraço
Angela Rodrigues
Olá amigo Maneko.
Parabéns pela trajetória e pela bela prole.
Gosto muito dos teus textos.
Um abraço
Angela Rodrigues
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